A Lua e a Memória


Vejamos isso com mais detalhes. Sua enorme plasticidade e sensibilidade fazem com que o luar fique marcado por outras funções: radiação solar, impulso marciano, estrutura saturnina, maneira de formação jupiteriana, informação mercuriana ou criatividade uraniana. Mas sua função específica é, precisamente, proporcionar a substância capaz de reter a marca, repetindo-se até que fique estabelecido uma forma ou padrão. Isso ocorre, por exemplo, na pele onde superado alguns estímulos externos, fica a cicatriz.

A Lua atesora tudo aquilo que se imprime nela e se configura ao seu redor, seguindo o caminho marcado. É memória no sentido mais extenso da palavra porque retém todos os impactos externos que a afetam e toma progressivamente a forma dos sulcos que se abrem nela, alimentando-os com sua vitalidade. Neste sentido, aquilo que aparece no princípio como primário, virginal e indiferenciado, se converte com o tempo em constante acumulação de marcas e incansáveis repetições do passado, rechaçando em sua inércia os estímulos do presente. Ali se fecha sobre si e o crescimento se detém na réplica indefinida do nível alcançado.

A Lua é o bebê, o intocado e também a identificação plena com as experiências anteriores e a incapacidade de dar respostas novas por excesso de acumulação: é ao mesmo tempo o envelhecimento e a sensibilidade. Sua relação estrutural com Saturno nos mostra que a Lua é simultaneamente jovem e velha, virginal e cristalizada. Aqui aparece novamente sua dinâmica profunda: desenvolver-se em fases, isto é, recorrer no processo em que nasce, cresce e adquire sua plenitude até finalmente cristalizar-se e extinguir-se necessariamente, para voltar a nascer.

Toda a reflexão a cerca da Lua está inevitavelmente atravessada pelo arquétipo de suas caras: uma luminosa e visível, a outra escura e invisível. Nada que se diga sobre ela pode escapar desta tensão, pela qual uma qualidade se transforma subitamente em seu oposto, ou uma limitação ou carência se revela como potência e vitalidade. Falarmos da Lua nos leva a recorrer um conjunto de atribuições carregadas de ambivalência, nas quais é impossível decidir sobre sua intrínseca qualidade criativa ou destrutiva, independentemente do que se manifesta ao seu redor. Na realidade recortar um fragmento de seu contexto, autonomizando-o e convertendo-o em absoluto para a consciência que ficou absorvida por ele, é um comportamento lunar que será falado mais adiante e que tem enormes consequências psicológicas. Constataremos por hora que a mesma dinâmica da Lua mostra os opostos como fases necessárias de um processo: de Lua nova, abismal e escura, a Lua cheia, abundante e luminosa e vice-versa. É a consciência, incapaz de compreender, quem divide o processo e experimenta como tensão a consciência do “bom” e do “mau” em um mesmo “objeto”. Isto é uma determinação psicológica, uma fixação que se projeta em tudo aquilo que se absolutisa e não algo inerente ao mesmo processo. No plano psíquico, a articulação da Lua ao resto do sistema dependerá da capacidade de consciência para realizar esta distinção.

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