Uma crença não questionada

Antes de tentar responder essa pergunta (Qual é então, a função correspondente da Lua em qualquer sistema?) é preciso que nos detenhamos em um ponto importante. Ao tratar de delimitar o significado dos diferentes símbolos da astrologia, sejam estes espaços zodiacais, proporções angulares - aspectos - áreas de experiências - casas - ou corpos do sistema solar, devemos previamente ter claro uma suposição inconsciente própria da linguagem convencional, que se projeta sobre a estrutura do simbolismo astrológico produzindo nele uma forte distorção.

Refiro-me a crença de que cada símbolo pode ser definido independentemente dos demais e tem, por tanto, existência autônoma. Em conseqüência, se assim fosse, poderíamos identificá-los atribuindo significados de exclusão do tipo: “o guerreiro corresponde a Marte”, “a rosa à Vênus”, ou “as religiões à Júpiter”, com independência de todo o contexto em que apareçam estes aspectos de realidade. Esta crença supõe que existe um significado “em si” para Touro, o Sol, a casa três ou sextil.

Se esta suposição básica da astrologia nos diz que a totalidade está em cada uma das partes em proporções diferentes - ou como variantes particulares de um padrão geral - a crença anterior não pode ser válida. Dito de outra maneira: se em cada carta natal estão presentes todos os signos, aspectos, planetas, etc., em uma distribuição particular (proporção - padrão), é uma abstração afirmar que existe alguém puramente mercuriano ou taurino.

Na realidade, não se vê Mercúrio separado do sistema solar, ou Touro independentemente da totalidade do zodíaco, ou uma quadratura em uma situação em que não existam ao mesmo tempo trígonos, sextis ou oposições. Em um dado instante, podemos dizer que a configuração particular é máxima em relação a outras, mas estas estarão sempre presentes, ainda que sua proporção não seja particularmente significativa.

No que se refere a Lua, não há situação possível em que esta apareça sem o Sol, Mercúrio, Saturno ou qualquer outro planeta. É provável que uma intensidade particular da Lua relegue a um segundo plano a consideração dos demais corpos do sistema, mas isto é sempre relativo e só justificável com a simplificação operativa.

Indagar a cerca destas crenças é fundamental. Ao não questioná-las supomos que é possível definir a Lua - ou a Júpiter, ou a Aquário - com total independência dos demais elementos da matriz a que pertencem. A crença que considera possível pensar o simbolismo astrológico - ou o céu que nos envolve - separando-o em elementos autônomos, é própria da linguagem não astrológica a menos que nos limitemos à movimentos em um campo de classificações e tipografias, renunciando a toda síntese. Aprender astrologia implica traduzir um modo de organizar a percepção da realidade baseado em palavras da linguagem cotidiana, a uma ordem articulada em símbolos de maior complexidade. A linguagem cotidiana manifesta uma captação do mundo em entidades autônomas, enquanto que o simbolismo astrológico expressa outra muito diferente, na qual aparece muito aquilo que na percepção anterior estava revelado. A mesma estrutura das duas linguagens reflete o abismo que separa estas posições existenciais radicalmente diferentes.

Nossas linguagens habituais (espanhol, inglês, alemão, etc.) se baseiam na existência dos fonemas, partículas elementares irredutível das demais e as relações que estabelecem são externas à umas e respectiva à outras.

Nossa linguagem cotidiana não é em sua estrutura um sistema de ruas, nem é mandálico. Oferece a possibilidade de distinções absolutas e quem sabe aqui erradique sua maior afetividade e razão de ser, em relação ao mundo que temos acordado socialmente em definir como “objetivo”. Mas para nós, que estudamos astrologia - é esta precisamente sua limitação, ainda que seja operativa e necessária em um nível, já que sustenta a percepção de um mundo de entidades absolutamente separadas e cujas às únicas relações possíveis entre seus elementos são “externas” aos mesmos.

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