A astrologia como linguagem sagrada


Inversamente, em toda a linguagem mandálica cada um de seus elementos recria a matriz global. Cada elemento contém dentro de si todos os demais e suas relações com as outras partes do sistema são à sua vez “internas” e “externas”, como correspondente de uma linguagem cuja função é a de comunicar a profunda unidade na diferença do que está “dentro” e o que está “fora”. Estas são linguagens sagradas - como a Cabala, o I-Ching ou a Astrologia - e em sua própria natureza reside a possibilidade de chegar a totalidade através de cada uma de suas partes, como um jogo de caixas. Daí, que ser função da astrologia significa ser a ressonância mutua das entidades do sistema solar em seus diferentes planos, cada um de seus símbolos deve evocar os demais em uma gama de ressonâncias infinitas e a sua vez extremamente precisa.

Por isso, a astrologia exige o desenvolvimento harmônico das funções aparentemente contraditórias: a capacidade de permanecer em contato com totalidades sem classificá-las de forma separada e, a sua vez, a capacidade de discriminação que permite estabelecer diferenças. Em geral, uma função se desenvolve em detrimento de outra e o hábito de apoiar-se só na primeira inibe a participação da função complementaria em processo perceptivo. O correto vínculo entre o contato e discriminação - ou, mais profundamente, entre identificação e diferenciação - é um requisito fundamental para a compreensão da astrologia e o legado que oferece a quem entra nela.

Este é o movimento em um fio de navalha, onde um excesso de uma função discriminadora - ou melhor, da necessidade de afirmar-se nela para não cair na confusão - converte a astrologia em um mero instrumento da consciência identificada com a linguagem separatista. Isso a empobrece, reduzindo-a em um sistema de classificações, topologia e determismos pretendidamente científicos, que nos prejudicam no mistério que é inerente e impedem que sua contemplação nos transforme.

A inibição da função discriminante e a hipertrofia da identificação nos leva, pelo contrário, a contaminação de todos os significados e finalmente desemboca na confusão e ao delírio. Uma linguagem operando em uma psique que tenha efetuado um profundo trabalho de discriminação à respeito das identificações primárias, e de individualização das estruturas arquetípicas, é sumariamente perigosa. Conserva a possibilidade de projetar massivamente conteúdos indiscriminados sobre o mundo, com a conseguinte desordem e confusão. Sendo que esta projeção, cedo ou tarde, provém de extratos que estão além do pessoal, e com os conteúdos do inconsciente coletivo, ainda que contaminados, são capazes de expressar em seu nível a sincronicidade entre o “dentro” e o “fora”, esta atitude expressa ocasionalmente uma grande “sabedoria” e uma intuição certeira. A maioria das vezes se trata de associações totalmente subjetivas e fantásticas.

Na realidade, a primeira posição - o excesso de discriminação - tem na segunda - a identificação - em sombra. Uma vez em contato com a linguagem astrológica, se ativam inevitavelmente os potentes conteúdos sintéticos que lhe são próprios e produzem um efeito emocionante sobre a psique não preparada. Aqui, a ênfase na discriminação é resultado da resistência e em última instância de auto-proteção. Como este movimento não é consciente, inevitavelmente enrijece e reforça os aspectos obsessivos e controladores em quem toma esta posição.

É claro que entrar na astrologia é entrar em um terreno anterior as modernas diferenciações entre ciência, arte, magia, medicina, religião, psicologia ou cosmologia. Não é fácil não perder-se nela e por isso oscilamos entre cientificismo e misticismo, psicologismos e determismos. É possível - e este é um desafio - avançar prudentemente, guardando fidelidade as premissas que fazem com que a astrologia tenha efeito. Isto é, movermos em um nível de aprendizagem em que se faça manifesta a correspondência estrutural entre o “dentro” e o “fora”, a psique e o cosmos, o céu e a terra.

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