A Travessia do Limiar


No seu fazer o herói acaba atingindo aquilo que Campbell chama de “Travessia do Limiar”. Geralmente alguma coisa desagradável o aguarda ali, tentando impedi-lo de atingir a meta de sua jornada. O dilema da Travessia do Limiar reflete um conflito básico de vida em nós. Ele pode ser descrito por meio de diversos fatores do mapa astral. Até o signo solar pode retratar um conflito inato, pois há tanto fraquezas como valores em cada signo zodiacal. Aspectos difíceis com o Sol podem sugerir obstáculos interiores, embora projetados para o exterior, que parecem nos impedir de crescer. Saturno também pode descrever – por signo, casa e aspecto – a natureza da Travessia do Limiar, pois ele retrata a reação defensiva, o medo e a relutância em nos revelarmos ao mundo.

O mito descreve algumas formas típicas assumidas pelo inimigo na Travessia do Limiar. Geralmente, o oponente é um irmão sinistro, uma personificação do lado sombrio, destrutivo ou amoral do próprio herói. Às vezes, o inimigo é uma mulher, a madrasta ou a bruxa malvada, e aqui encontramos a deusa lunar num disfarce bem pouco maternal. Isso reflete uma situação na qual as necessidades instintivas, enraizadas na família e no passado lutam contra o desenvolvimento do indivíduo independente. Às vezes a ameaça vem de um gigante ou monstro, são imagens de instintos grandes, cegos e primitivos. O dragão também pode ser visto como uma imagem lunar, um retrato da ourobórica mãe primitiva na forma de uma imensa cobra alada. Muitas vezes, a mãe pode ter essa imagem para a criança, pois ela é toda poderosa dispensadora da vida e da morte. No limiar, a cobra-dragão pode personificar a aparência que a Lua tem para o herói que não cresceu.

Erich Neumann, em “História da Origem da Consciência” dá a esse estágio de desenvolvimento o nome de “Lutador”. Apesar de ser um estágio arquetípico da juventude e um estágio inevitável da jornada do herói solar, pode ser também o lugar ao qual seremos compelidos a retornar mais tarde na vida caso o Sol tenha permanecido subdesenvolvido. Para o Lutador, tudo parece uma batalha, e o feminino – seja a mãe de fato, os laços familiares, as emoções, as mulheres, substitutas maternas no trabalho ou o próprio corpo moral – não é visto com bons olhos.

Em alguns mitos, a Travessia do Limiar não é a luta com o dragão, ela envolve a própria morte do herói, antes de uma transformação ou ressurreição. É o caso de Dionísio e de Jesus, ambos destruídos e que só podem assumir suas verdadeiras formas como salvadores divinos através de tal desmembramento ritual.
A imagem mítica da crucificação é um dos mais fortes símbolos de nosso isolamento e alienação na cruz saturnina da matéria. Nesse estado somos criaturas sem pais, abandonadas. Não há um lar para onde voltarmos, não há um colo reconfortante para nos alinharmos, não há grupo ou coletividade que possa nos oferecer um paliativo. Esse é o estado nu e cru do “Eu sou”, que pode nos explicar a razão pelo qual o Sol só emerge de fato na meia-idade, quando a pessoa está suficientemente forte e formada para enfrentar o desafio. O problema da solidão, que sempre acompanha qualquer manifestação do “self” individual, é o significado profundo da Travessia do Limiar no mito do herói. Essa questão permeia nossas maiores ansiedades, a perda e a separação, pois há sempre o risco de que, ao emergirmos, ninguém possa nos amar. Assim, a batalha contra o gêmeo sinistro, a luta com o dragão e o desmembramento ou crucificação constituem a imagem do ato de suportarmos o fardo de nosso “self” separado, o qual é o primeiro estágio importante da jornada solar.

Nenhum comentário: